Um abraço para os Minoritários

Tempo de leitura: 5 minutos

Empresa XYZ capta bilhões de reais com acionistas em aumento de capital

Pensando na continuidade da Newsletter, achei prudente ocultar esta notícia e tratar de forma hipotética um hipotético aumento de capital de uma hipotética empresa listada na Bolsa brasileira.

Portal hipotético

Importante: episódio fictício. Não estive em reunião alguma.

“Temos um problema!” disse o CFO.

O presidente da empresa parou o que estava fazendo e olhou de relance. Problemas ele tinha aos montes, mas quando vinham de seu diretor financeiro a coisa normalmente não era boa. “O que é?”

“Precisamos de dinheiro”

Mais? Meu amigo, se tem uma coisa que eu não to precisando é de dinheiro. Não sei mais onde colocar, inclusive. Pra você ter uma ideia, to comprando até cavalo de hipismo. Aquilo ali sim é um ralo de dinheiro.”

“Não, a empresa precisa de dinheiro. E bastante. Achei que conseguiria administrar a dívida, mas o operacional não melhorou como esperávamos e agora chegamos num nível insustentável.”

“E o que você entende por insustentável?”

“No ritmo atual, daqui a 6 meses o nosso nível de endividamento vai estourar os covenants, os limites definidos nos contratos de financiamento, e todos os nossos credores vão poder pedir o vencimento antecipado da dívida.” explicou o diretor, colocando as mãos na cabeça. “A gente vai ser obrigado a pagar uns R$ 2 bilhões de uma só vez!”

“Que?!” exclamou o presidente, perplexo. Sua empresa não tinha dinheiro pra isso. Com muito esforço talvez conseguissem pagar uns 20%, mas ficariam sem capital de giro pro dia a dia. Impossível. Precisava pensar numa saída. E rápido. “Vou ligar pro nosso amigo

“Tem certeza? É um caminho sem volta.” alertou o diretor.

“Não vejo outra solução. Vamos pelo menos ouvi-lo, ele é um cara criativo.”

A ágil secretária rapidamente o colocou numa chamada por vídeo na reunião. O amigo abriu sua câmera já com o corpo inclinado pra frente, as mãos entrelaçadas apoiando o queixo. O interesse era visível no brilho dos olhos e o presidente sabia que seu amigo adorava situações como essa. Ser chamado pra uma reunião de emergência era sinônimo de oportunidade. E ele era um mestre da oportunidade. Sua agressividade em aproveita-las fizera sua fama no mercado. A situação lhe foi explicada.

“Bom, só vejo uma saída. Vocês precisam convocar os acionistas pra colocar mais dinheiro na companhia, fazer um aumento de capital” opinou o amigo, calmamente.

“Cara, mas os gringos hoje são donos de quase toda a empresa, vendi praticamente tudo pros caras. E quem tá querendo vender agora são eles. Já avisaram que não colocam nem um centavo a mais sequer. Querem sair fora.” explicou o presidente. “Fora que se anunciarmos esse follow on* as ações despencam no dia seguinte. Os caras vão ficar putos.”

*Follow on: oferta (ou venda) de ações realizada por uma empresa de capital aberto e ações negociadas na bolsa.

O amigo se animou com o que ouviu. Sabia que não havia nada melhor do que lidar com alguém que quer vender um negócio. “De quanto vocês acham que precisam?” perguntou.

“Uns R$ 2 bilhões resolvem nossa situação por enquanto, talvez até um pouco menos” se antecipou o diretor financeiro.

“Presidente, acho que essa é sua chance de começar a retomar a empresa dos gringos. Avisa eles que vai anunciar essa captação mas que você mesmo vai cobrir. Eles não participam da oferta e você retoma pelo menos um quarto das ações”

“Eu pensei nisso, mas não tenho essa liquidez toda. Não vai dar.” disse o presidente. E teve uma ideia. “Amigo, por que você não faz isso e vira sócio nosso?”

A frase chegou como música nos ouvidos do amigo. A situação melhorara. Agora tinha um vendedor disposto e um comprador precisando de ajuda. O desfecho caminhava a seu favor.

"Não sei não, viu…” se fez de difícil. “Já estou focado em vários outros negócios novos, teria que valer muito a pena”

“Do que precisa?”

“Pra começar, uma vaga no Conselho de Administração”

“Tudo bem”

“E você vai ter que entrar comigo nessa, não vou entrar sozinho. Minha sugestão é você colocar metade do que eu investir. Preciso de você dentro do barco.”

O presidente hesitou. Era uma quantia relevante pra ele, mas a situação era alarmante. Lembrou-se do prazo de 6 meses das dívidas. Acabou por aceitar, agora já receoso. “E como vamos convencer os gringos? As ações sempre caem com anúncios de follow on. Eles vão chiar.”

“Aí que tá” disse o amigo. “Você vai anunciar o aumento de capital num valor acima do preço que a ação está sendo negociada. Quase o dobro.”

“Acima?” questionou o diretor financeiro

“Isso. Nós vamos aportar pagando mais caro na ação. Isso vai passar uma imagem de que acreditamos que está subvalorizada e as ações vão subir amanhã.”

“Mas qual acionista vai querer participar de um aumento de capital que custe mais caro do que comprar as ações a mercado?”

“Exatamente. Nós vamos acabar aportando sozinhos e todo mundo que não entrar vai ter sua participação diluída”

Ali a ficha dos executivos caiu. O amigo queria ter a maior fatia possível da empresa pra ele, à custa dos acionistas minoritários. Ninguém toparia pagar mais caro pra manter sua participação e todos seriam obviamente diluídos. A governança da empresa ficaria em cheque, principalmente por trazer alguém habituado a operações como essa. Mas qual a alternativa? Não enxergavam outra saída. Os gringos certamente aceitariam, pois já não participariam de aumento de capital algum. Pelo menos veriam suas ações subirem no dia seguinte. O jeito era buscar portais especializados de amigos e insistir na justificativa da subvalorização. Os 6 meses dos credores chegariam mais rápidos do que nunca. O operacional não era mais capaz de pagar as dívidas. A empresa chegara no momento do tudo ou nada. A ideia começou a soar um pouco melhor para os executivos. Talvez o amigo tivesse razão. Os problemas eram maiores do que se preocupar com acionistas minoritários. Se for pensar bem, eles nem era tão importantes assim.

FIM

Bruno Paolinelli

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Toda semana escolhemos uma notícia e criamos um episódio absolutamente fictício em torno dela. Deixamos a imaginação ir longe e escrevemos.

🎷 Assuntos pra você ter conversas fabulosas

  • 💔 O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, dissolveu o Parlamento britânico e convocou novas eleições para o dia 4 de julho. O partido Trabalhista, de oposição, é favorito na disputa. A decisão de Sunak é uma prerrogativa do seu cargo e bastante comum no regime parlamentarista. Fico imaginando se isso funcionaria no Brasil. O que acha?

  • Vem inflação de novo? A semana foi carregada de notícias de commodities tendo picos de preço, a Rio Tinto declarando força maior em contratos pra não vender alumina e fretes marítimos disparando até 30%. De olho!!

Aqui acabamos. Até domingo que vem!

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